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title: "Protonmail e a Falsa Privacidade"
date: 2021-09-24
draft: false
tags: ["opiniao", "privacidade"]
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Eu gosto de e-mail enquanto forma de comunicação, em especial por três fatores:
(1) é construído em cima de protocolos abertos (2) é, de certa forma universal,
sendo a porta de comunicação digital mais acessível e simples (3) existe à pelo
menos 50 anos. Com esses fatores em mente, é natural que usuários tenham uma
necessidade real que não foi largamente pensada originalmente: privacidade,
afinal, email por si só é um protocolo que — pelo menos originalmente — envia
apenas texto.

Existem algumas abordagens para se conseguir comunicação privada usando email,
mas nenhuma é muito simples e quando se apresenta como simples, eu sempre fico
desconfiado. Nessa semana por exemplo, saiu a notícia que um ativista foi preso,
quando o Protonmail ~~deixou vazar~~ entregou o endereço IP (que por sua vez
pode-se chegar na localização) desse tal ativista. A questão é, que o Protonmail
se vende como se fosse **a** "forma segura de enviar email", "retome sua
privacidade", "não deixe ninguém espiar o conteúdo dos seus emails". De certa
forma, posam como uma tecnologia incrível & inovadora da qual resolve com uma
interface simples e amigável o grande monstro que é enviar emails com
privacidade.

Algumas pessoas diriam que isso é uma estratégia conhecida lá na gringa como
_Embrace, Extend, Extinguish_ e talvez seja. Essa tática trabalha na perspectiva
de adotar uma tecnologia já existente, "melhorar" ela e eventualmente quando uma
grande parte dos usuários estiverem utilizando essa tecnologia "melhorada",
extingue-se a antiga, trancafiando os usuários nessa versão nova, proprietária.

Uma das armas mais utilizadas nessa estratégia, é o marketing. A proposta é
introjetar na cabeça dos usuários que para comunicar de forma privada, você
precisa ter um email do Proton — afinal todo o resto é arcaico e complexo — e
pouco faz menção ao fato que eles utilizam protocolos e tecnologias padronizadas
já existentes. Tecnologias inclusive que qualquer pessoa com um computador pode
utilizar: basta gerar uma chave de criptografia PGP [^1] e distribuir a sua
chave pública para que as pessoas possam enviar um email criptografado para ela,
por exemplo.

Além do marketing, é claro, tem também a falta de comunicação transparente. Ao
contrário de outros provedores como o Gmail que práticamente torna impossível
enviar um email criptografado, Protonmail até permite, mas não o torna fácil. A
única documentação a respeito, está escondido em uma FAQ (Lista de perguntas
frequentes), no meio da documentação oficial e sequer está traduzida. Além
disso, o Proton faz você sentir que está cometendo um erro, mostrando mensagens
na tela de forma a induzir você a não fazer isso, quase como se estivesse
gritando: "não faça isso, ao invés disso, convide-o para se juntar à família
Proton".

Além disso, fazer falsas promessas de que eles não guardam nenhuma informação,
contudo esse caso nos mostra que, sim eles guardam seu IP, sabe-se lá o que
mais.

E o pior problema de todos, é que essas pessoas que utilizam esse serviço, já
estão com seus emails sequestrados, afinal para utilizar o Protonmail você
precisa criar uma conta que te disponibiliza um email `fulano@protonmail.com`.

Ou seja, se você quiser e precisar migrar para outro domínio, ou outro serviço,
tens que garantir que todos os teus contatos e todos os lugares que
possívelmente queiram entrar em contato com você saibam do seu novo email, o que
não aconteceria se você utiliza um domínio próprio para email
(`fulano@meudominio.com.br`).

Esse último ponto eu considero grave, porque te priva de conseguir migrar entre
provedores. Se você se sentir ameaçado ou achar que não quer mais usar o
Protonmail, você tem um trabalho longo pela frente para conseguir sair do
serviço, o que em geral faz as pessoas permanecerem, mesmo que não queiram mais
utilizar.

A solução, infelizmente, não é simples. Privacidade e criptografia é um direito
fundamental, e ele com certeza não deve estar nas mãos de empresas e
corporações. A forma mais simples, mesmo que pareça um absurdo, é de
organizações hospedarem seu próprio serviço de email, dentro do seu domínio e
usuários criarem e distribuirem as suas chaves públicas.

Sim, você pode hospedar seu próprio servidor de email, basta ter um servidor e
um domínio na internet. Sei que isso parece uma tarefa herculiana, mas não é. A
escolha aqui está mais ligada a decisão entre praticidade versus segurança.
Conforto versus privacidade.

Se organizações querem lidar com a questão de email, a melhor forma é trabalhar
em conjunto para construir ferramentas abertas que permitam o ecosistema
florescer, trabalhar para criar processos, protocolos e utilitários que tornem
mais simples alguém hospedar seu próprio email. A lógica é construir pontes para
independência e não levantar muros "seguros".

[^1]: Diversos clientes de email, como o mutt, Mozilla Thunderbird, oferecem de
  forma transparente acesso à criptografia PGP, afinal PGP já existe há 30 anos,
  e seu formato padronizado e aberto pode ser lido no RFC 4880 (em 88 páginas),
  implementações existem à rodo e sua variante mais famosa é o GNU PGP, ou `gpg`
  que provavelmente já está instalado em seu computador, seja ele Linux, BSD ou
  macOS. O único que como sempre, fica de fora da festa é o Windows, que
  necessita do programa `gpg4win` instalado, apesar que ele tem uma interface
  gráfica simples e intuitiva ao contrário dos seus irmãos do Unix.