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title: "O Deus Algoritmo"
date: 2020-07-31
tags: ["reflexao", "plataformas"]
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O Algoritmo. Essa entidade mágica e onipotente, que organiza e cataloga
como nós interagimos na internet, como organizamos a nossa vida, com
quem falamos, quem podemos ver e qual assunto devemos prestar mais
atenção agora.

A introdução do "algoritmo" nas plataformas digitais sempre entra com
a justificativa de que é uma forma mais inteligente e mais otimizada de
apresentar o conteúdo da plataforma. Quem lembra quando o Instagram
passou a reordenar o seu feed usando O Algoritmo? [^instagram-feed]
Lembram-se tambem que foi justamente quando foi adotado uma política
mais violenta de anúncios e conteúdo pago.[^instagram-ads] Sabe aquela
foto legal que seu tio postou? Foi engolida pelo algoritmo em troca de
uma postagem do perfil que está "mais engajado", ou seja aquele perfil
que tem uma boa quantidade de seguidores, postagens com mais comentários
e fotos com mais curtidas. Conhece aquele perfil que produz conteúdo
como uma fonte de petróleo recém descoberta? Pois é, para melhor se
posicionar para o algoritmo, ele força produtores de conteúdo a ter que
estar em um estado de constante conexão com a plataforma, muitas vezes
se esgotando e entrando em um estado de burnout [^burnout]. E como
a lógica vigente é sempre de _nunca resolver o mal pela raiz e sim
remendar o problema_, o Facebook, por exemplo oferece a solução de que
você possa marcar 10 perfis para "Ver Primeiro", assim num primeiro
momento sua linha do tempo parece organizada antes que você interaja com
o conteúdo cuidadosamente escolhido pelo algoritmo, a nossa entidade
mística que conhece você melhor que você mesmo, através da palavrinha
mágica da vez que é o Big Data [^big-data].

[^instagram-ads]: https://om.co/2016/02/13/instagram-ads-too-much/
[^instagram-feed]: https://www.buzzfeednews.com/article/alexkantrowitz/robots-run-this
[^burnout]: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_burnout
[^big-data]: Expressão que significa a ciência de mineração de dados, ou
  seja a plataforma em questão analisa e armazena quaisquer dado
  possível sobre você, montando uma rede de informações que é processada
  e vendida para anúnciantes.

No outro espectro, temos uma massa de pessoas zumbificadas, engajadas
nas plataformas, não de forma orgânica, mas de forma procedural. Os
engenheiros dessas plataformas se gabam e criam eventos gigantescos
[^f8] para discutir formas mais otimizadas de como manter o usuário em
um estado de constante engajamento, técnicas novas para "ajudar as
pessoas a se conectarem", uma palavra bonita que significa "como
arrancar cada segundo do tempo dessa pessoa na nossa plataforma".
O Instagram, por exemplo introduziu uma funcionalidade que faz isso de
forma bem simples e sutil. Ao abrir um link, ao invés de redirecionar
você para o navegador do seu celular que você escolheu, ele abre uma
interface e mostra aquele conteúdo dentro do próprio instagram, em um
navegador dentro do próprio aplicativo. Usuário bom, é usuário
conectado, sempre!

Em outra ponta, oferecem ferramentas para que influencers possam
"etiquetar" algum item e levar a compra, tudo é claro, dentro da
plataforma. Enfim, a ideia é que você nunca desligue, nunca pare de ver
atualizações, e que essa plataforma seja o teu portifólio e espelho de
quem você é ou que gostaria de ser, moldando todos os teus interesses
e como você se informa venha através dela, através do seu grandioso
e controlado véu.

[^f8]: F8 é o evento anual do Facebook onde eles apresentam as novas
  atualizações da empresa, números e promessas.

Além disso, essa verdadeira praga que é o deus algoritmo, se alastra
e modifica a forma como trabalhamos. Ou seja, não bastando moldar
a forma como interagimos como as pessoas e nossos circulos sociais, ele
ainda serve para direcionar a classe trabalhadora mais precarizada.
Plataformas como Rappi, Uber Eats, iFood, e suas cópias com nomes fofos,
trabalham e são regidas por esse ser que "melhor conecta os entregadores
com os restaurantes". Ele também contabiliza quantas entregas já foram
feitas por aquele entregador, quais as distâncias percorridas, e se
o entregador atual está "merecendo" a próxima entrega. É bem sabido, por
exemplo que entregadores que não entregam o pedido no prazo correto, são
penalizados, perdendo pontos no Rappi [^rappi]. Pontos esses que
determinam o número e quantidade de pedidos que aquele entregador vai
receber no dia. Enquanto isso, eles tem de ficar com o aplicativo
ligado, pronto e à postos para de no caso, se Deus quiser receberem um
pedido, seja no frio, na chuva, no calor intenso, não
importa. [^galo]
O "algoritmo" por qual se escondem essas empresas é frio e não tem pena
de trabalhador.

[^rappi]: https://blogbra.soyrappi.com/quais-as-vantagens-dos-pontosrappi
[^galo]: https://revolushow.com/80-breque-dos-entregadores-de-aplicativo/

Em contrapeso ao mundo dos 'Big Five' [^big-five], onde basicamente
cinco conglomerados controlam a maior parte da internet, plataformas
alternativas como [Mastodon](https://joinmastodon.org),
[Pleroma](https://pleroma.social)
e [Diaspora](https://joindiaspora.com), se colocam contra a lógica de
algoritmos. Você vê tudo em ordem cronológica. Não existe recomendação
de perfis que você pode querer seguir, afinal para fazer isso,
a plataforma teria que ler e analisar o conteúdo das informações que
você posta. E acima de tudo, **são auditáveis, pois são construídas de
forma coletiva e aberta**. Qualquer pessoa pode ler o código delas. Isso
nos serve de lembrete constante de que essas plataformas não servem
o nosso interesse e de que não existe _"código apolítico"_. Para essas
plataformas nós somos o produto, a mercadoria. Você enquanto programador
é um ser pensante e um ator político, e o código que você escreve, ajuda
e serve o interesses de alguém. A questão é, _serve os interesses de
quem?_

[^big-five]: "Big Five" é um apelido para o maior oligopólio tecnologico
  existente, onde basicamente 5 empresas (Facebook, Google, Apple,
  Amazon, Microsoft) controlam a maior parte da internet, aliás,
  [segundo
  a Forbes](https://www.forbes.com/sites/timworstall/2013/08/17/fascinating-number-google-is-now-40-of-the-internet/#40c8381927c7)
  somente o Google era responsável por 40% de todo o tráfego de internet
  em, pasmem, 2013.